Senhores,sou
um simples escrevinhador,como minhas linhas freqüentemente atestam,e, por isso,me
contentaria em ficar trancado escrevendo sobre coisas abstratas e tomando café
até a consumação de minha existência.No entanto,os escrevinhadores também vivem no mundo real, e também se
importam com a atual conjuntura política.E,do jeito que as coisas
estão,não podem continuar.A apatia política do brasileiro chega a causar náusea.São
absurdamente freqüentes raciocínios do tipo
“se nenhum vereador me oferecer
um cargo na prefeitura,eu voto em Chimbica do cabaré”.O incrível é que o
colossal eqüino autor desta genial constatação não percebe que,se votar em
Chimbica,o referido candidato poderá ganhar e comer o dinheiro público da mesma
maneira que qualquer outro.A situação se inverteu:o objetivo do
brasileiro,inicialmente, ao reclamar dos políticos,era buscar o melhor para o
seu país;mas hoje,com o disseminadíssimo descrédito da prática política,ocorre
também um descrédito da conduta ética,o que equipara o eleitor ao político
corrupto.É como se o eleitor pensasse da seguinte forma: “ora,se os políticos
são em sua maioria uns vagabundos e uns ladrões,e os poucos que realmente têm
propostas sérias não conseguem nem atingir
10% nas pesquisas,e,portanto(prestai atenção a essa excepcional parte do
raciocínio agora,oh,jovem!),nunca vencerão as eleições,ou,ainda que chegassem a
esse ponto,se corromperiam com o poder(!),então o melhor é votar em branco ou
protestar votando em algum candidato fraco e ir vivendo minha vida,ou talvez eu
apóie algum vereador que me prometer emprego.”E, assim,para a desgraça de todos
e vergonha geral da nação,Tiririca chegou à Câmara.
Pessoal,falando sério,essa situação já se tornou
insustentável.O eleitor não percebe que caiu na armadilha que os corruptos o
incentivaram a criar;o prejuízo dessa
maneira de pensar não vai só para a conta de um ou outro eleitor,mas atinge todo o país.E o problema não é apenas
da prática política,mas da dimensão que a corrupção ganhou.Vivemos em uma
corruptocracia:a corrupção está disseminada por quase todas as atividades do
brasileiro.O mais hipócrita é que a imensa maioria da população reclama da corrupção
nos altos escalões,mas quase todos lançam mão do “jeitinho brasileiro”(atente para o nome da
expressão) para resolver mais rapidamente questões do dia-a-dia.E essa é a raiz
do problema:a normalidade da hipocrisia cotidiana.Essa normalidade precisa ser
desnormalizada. Não se trata aqui de mais uma maçante utopia ingênua,mas de
resolver um problema conhecido por todos e cuja solução é igualmente de domínio
geral.Basta que pensemos em algumas atitudes tomadas por nós mesmos(sim,não
prego aqui a santidade do blogueiro) e pelas pessoas que nos cercam para
percebermos que muita coisa deve ser mudada.Talvez as coisas não mudem,mas ao
menos teremos tentado.É melhor sair à luta do que ficar sentado,esperando as
coisas passarem.
O período que vivemos agora é ótimo para reavaliarmos
nossos critérios de escolha de candidatos.Estamos em meio a uma disputa eleitoral.Outra aspecto ao qual
deveríamos nos ater é o de que, hoje em dia,temos uma vantagem bem maior para
escolhermos nossos candidatos que em épocas passadas:imagine-se,leitor,vivendo
em uma fazenda na república velha.O voto não era secreto,os coronéis
solicitavam gentilmente com suas carabinas que o “cumpádi” votasse neles,e não
havia internet para reclamar dos políticos.Havia no máximo um jornalzinho,que,dependendo
dos coronéis,seria de edição única caso os contestasse.A única opção do
estimado leitor seria levar sua família para morrer de fome na
capital,onde estaria -em tese-,livre da
carabina do “coroné”,ou se sujeitar a toda essa cabrestada.Certamente,a jovem
república brasileira não era o melhor dos ambientes para ser politicamente
independente.Imaginemos agora outro momento histórico brasileiro: vossa senhoria vivendo no tempo do maravilhoso
regime militar.Se o leitor,na época do bondoso titio Costa e Silva,resolvesse
sair à rua e dizer: “Eu tenho liberdade
de pensamento!Quero que o povo vote diretamente para presidente!Diretas-já!”,seria
chamado de subversivo, comunista,comedor de criancinhas,Stálin brasileiro,
anátema,maldito,satanás na terra,etc,e depois seria convidado a ser levemente torturado no DOI-CODI até “se livrar
de seus ímpetos libertários”(leia-se ‘a morte’).Que legal,não?É,percebe-se que
as coisas melhoraram.Vieram as Diretas-Já - que demoraram uma eternidade para
aparecer na Globo,e isso só aconteceu porque até o papagaio do Roberto Marinho
queria eleições diretas - e a abertura democrática.Mas foi preciso que nêgo
levasse muito choque nos testículos para que nós chegássemos onde estamos.
Agora analisemos a situação atual: temos uma Constituição
que assegura formalmente os nossos direitos da maneira mais democrática até
este ponto da história do país ,o que é uma coisa incrível,se olharmos bem; podemos
votar e ser votados livremente,sendo o voto direto,secreto(ah,se os coroné
subesse),universal e periódico, e temos internet,que é uma ferramenta quase
onipotente para pesquisarmos as vidas dos candidatos e estudar a história do
país,além de servir para se comunicar com qualquer pessoa sobre o que acontece
no mundo(a menos que estejamos no Facebook
postando toda quinta-feira que “amanhã é sexta-feira”,o que,por motivos
óbvios,é muito mais importante).O mais incrível é que,mesmo com tudo isso,temos
um palhaço(profissional,por favor,senhores) deputado federal,além de todos os
outros que foram bem-sucedidos em usar estratégias ridículas para se
eleger,temos uma corrupção generalizada e uma das piores educações entre os
países ocidentais.Seria por impossibilidade de solução que esses problemas
persistem?O que acham?
Assim,senhores,vamos pensar um pouquinho mais nas
conseqüências de nossas ações.Vamos
olhar para o que já aconteceu nesse país,e valorizar mais nosso voto.Hoje não
temos que suportar torturadores para
conseguir esse direito,e isso deve significar alguma coisa.